Na atualidade é na região Transcaucásica onde se encontram os registros vínicos mais antigos do mundo e por isso o olhar vínico da ciência se concentra nesta parte do planeta. A linda Geórgia possui em seu histórico o achado arqueológico de 8000 anos, onde resquícios de ácido tartárico (DNA do vinho) foram encontrados em Qvevris (amphoras) através da técnica de carbono 14, nas montanhas ao Sul do país. Em outras pátrias nesta mesma área do globo também há várias descobertas datando outros períodos. Mas se engana quem pensa que a Geórgia centraliza seus esforços em contar somente uma remota história. Estive nesta pátria recentemente e pude constatar que a Geórgia do Século XXI pulsa e vibra em buscar aperfeiçoar as técnicas vitícolas e enológicas onde já está levando ao mundo vinho com qualidade ímpar e com a assinatura que quem iniciou nesta prática já há muitos milênios atrás.
Para as pessoas que amam história, cultura e o vinho, a Geórgia é um destino indissociável destes temas. A cultura à vitis e ao vinho sem dúvida está presente no cotidiano e para todo lado neste país que é o berço da bebida de Baco. Podemos constatar isso logo no primeiro momento andando pelas ruas da lindíssima capital Tbilisi e vendo nas coisas mais simples do dia a dia do povo a presença vínica e os seus símbolos. Nos bancos das praças e nas ruas a presença da imagem da vitis, em cada esquina sorvetes sendo ofertados com a base de vinho e há os que você pode escolher até a casta.
Bacos Públicos de Tbilisi
Sorvetes de Vinho Georgiano
Na capital da Geórgia há wine bares e adegas diversos e sofisticados e com o espírito de transmissão de cultura verdadeira aos que ali chegam para adquirir conhecimentos também, além de degustar delícias de sabores e aromas únicos deste país. Um local desses que gostaria de deixar registrado é a Wine Gallery que sem dúvida abriga objetos de artes, objetos históricos, música, um wine class, arquitetura e um universo de garrafas da bebida de Baco.
Saint Nino
A Saint Nino (Santa Cristiana) patrona da Geórgia recebeu o título igual a dos Apóstolos, ela foi uma mulher conhecida por ter introduzido o cristianismo neste país e se tornou amplamente venerada nele. O interessante é que ela andava com uma cruz feita com ganhos de vitis como símbolo de proteção e até há quem faça uma comparação em seu nome “Saint Nino” com os “Taninos” do vinho. O certo é que o vinho teve um grande papel na formação espiritual e religiosa da Geórgia e que é um importante símbolo para igreja Ortodoxa.
Kartlis Deda
Ao alto da colina Sololaki, local que possui uma vista panorâmica da cidade de Tbilisi, há um monumento muito simbólico para os georgianos, a Kartlis Deda (Mãe Geórgia). A estátua além de ser muito interessante é muito representativa devido em uma das mãos está segurando uma espada, um sentido figurado que está pronta para lutar contra os inimigos e na outra mão segura um cálice de vinho fazendo uma alusão a de que todos os povos amigos são bem-vindos e recebidos com o símbolo sagrado deste país.
Museu do Vinho de Tbilisi
O vinho na Geórgia existe 3000 anos antes da invenção da escrita e 5000 anos antes do início da idade do Ferro, e contando essa trajetória toda de milênios existe um local muito interessante na cidade de Tbilisi e vale a visita que é o Tbilisi Wine Museum, nele consta a história vínica sendo retratada através de diversos itens arqueológicos e etnográficos relacionados ao vinho georgiano; como tigelas, pratos de vinho, pratos de rituais, Qvevri, Tamada, dentre outros tantos objetos que fazem parte da cultura vínica dessa pátria vinhateira.
Cidade Uplistsikhe
Uma incrível visita que fiz foi a lendária cidade de Uplistsikhe, localizada no centro da região de Kartli, essa cidade cravada em rochas data 7000 a.C. , possuía numerosos habitantes divididos em 3 classes sociais. Neste lugar que fica ao alto de muitos rochedos existe um local que era destinado a produção dos vinhos e utilizado como oferenda aos deuses, evidenciando a importância desde épocas muito remotas a bebida sagrada.
Período Negro e o Século XXI
A época em que a Geórgia esteve sob o domínio dos soviéticos (70 anos), marcou um grande período negro para o setor vínico e foi amplamente desestimulada a produção desta bebida. No governo de Mikhail Gorbatchov ele aumentou os impostos sobre as bebidas alcoólicas, aumentou as penas contra embriaguez e proibiu a venda de bebidas alcoólicas em restaurantes, buscando desencorajar o consumo e alterar a cultura tradicional da região. Mas bravamente o povo georgiano manteve a cultura da produção da vitis e do vinho de forma mais discreta e após obterem a sua independência novamente (1991) e ultrapassados os momentos de grande crise econômica, puderam continuar a praticar a sua cultura e começar uma nova era do país que sempre respirou o vinho no curso da história, e que chega ao século XXI sendo reconhecido por seus feitos e como referência global de seus esforços de manter viva a cultura vínica.
O Método Qvevri
O método Qvevri é um processo milenar tombando pela UNESCO(2013), onde se coloca o mostro da uva em grandes vasilhas de barro denominadas Qvevris, enterradas na terra para vinificar e sem dúvida nos faz viajar na história e nos emociona de fato com tantos ganhos multidisciplinares em volto do vinho georgiano. Já escrevi sobre o método Qvevri em outros dois artigos, um “O Vinho Mais Antigo do Mundo é da Geórgia” e o “O Grande Rustaveli” , portanto me deterei em descrever como foi a experiência em ver os Qvevris in loco e em fermentação e as visitas em produtores no país.
Vistas a Produtores Georgianos em Diferentes Regiões Vitivinícolas
Diversos produtores mantém a tradição em produzirem com o método Qvevri, mas na atualidade a produção vínica está completamente remodelada com a utilização de equipamentos modernos e técnicas de ponta do mercado. Preservaram a identidade da história milenar através das suas castas e método, mas agregaram fortemente uma modernização dentro das vinícolas.
Na maior e mais conceituada região vitivinícola do país, a região de Kakheti pude visitar o produtor Shilda Winery e ser recebida pelo chefe da enologia Levan Chychynadze, onde o mesmo me apresentou toda a enorme planta deste produtor, processos de vinificação antigo e moderno e também parte da suas parcelas de vinhedos. O interessante foi degustar o vinho ainda em plena fermentação dentro dos Qvevris e sentir o gosto de história legítima em minha taça.
A Guramishvili’s está localizada na região Meskheti, e é uma charmosa adega que faz parte de um grande grupo chamado de KTW Group, que possui outras adegas espalhadas por outras regiões, restaurantes, hotéis e uma industria de processamento de frutas. Neste local que respira a história milenar georgiana e também a produção de espumantes pelo método clássico pude além de degustar castas raras até na Geórgia, como também obter muitas informações e curiosidades com a enóloga que me recebeu. A enogastronomia servida neste dia ficará registrada em minha memória por muito tempo tamanha a beleza do casamento entre a culinária típica e os vinhos servidos em toda a refeição.
Apesar de pequena a área de vinhedos e ainda ser inexpressivo os números de produção vínica a nível global, a Geórgia tem crescido tanto em área plantada como também em produção de vinhos, os dados presentes no State of The World Vine and Wine Sector 2021 (OIV) evidenciam isso. Não se enganem pois os vinhos produzidos através do método Qvevri só representam pouco mais de 1% do vinho exportado e a grande maioria dos vinhos georgianos já estão presentes em diversos países e produzidos com técnicas modernas de vitivinicultura e enologia. Existem mais 500 cepas autóctones georgianas diferentes e novas variedades internacionais também já foram plantadas, os barris de carvalho podem ser vistos em grande parte das vinícolas e nos vinhos, podemos perceber nuances de novo momento histórico para esta pátria vinhateira. Muitos são os produtores que já enviam seus vinhos para o mundo como exemplo temos o Shilda Winery, Prince Ioane Bagrationi, KGM Winery e que podem ser adquirido já no Brasil através dos seus parceiros importadores.
Desejo que este relato possa ter contribuído de alguma forma com o aumento da sua cultura vínica e a sua percepção sobre a Geórgia, pátria essa que aprendi a amar.
Gaumachos ! Saúde !
Algumas Fontes :
https://www.oiv.int
Jancis Robinson and Oxford University Press 1994,1999,2006,2015
Atlas Mundial do Vinho 7* Edição, Hugh Johnson e Jancis Robinson, 2014
The Wine Bible, 2* Edição, Karen MacNeil, 2015
Wine, English Edition, André Dominé, H.F. Ullmann publishing GmbH, 2008
https://www.facebook.com/MundodosVinhosporDayaneCasal/
https://www.instagram.com/dayanecasal
https://www.twitter.com/dayanecasal
Comment
O vinho sempre teve participação de fundamental importância na história dos povos. É muito interessante conhecer as civilizações que fizeram parte desse enredo, onde através da sua crença, arte e gente, ajudam a desvendar e compôr esse conjunto de memórias do vinho.