Os ingleses por longos períodos da história foram e continuam a ser um dos principais consumidores de produtos de qualidade. No mercado dos vinhos tiveram uma participação ainda mais importante pois em determinadas épocas históricas, praticamente determinavam aos mais diversos produtores de vinhos mundiais como “deveriam funcionar o mercado” observando pelos aspectos de estilo, preço e até distribuição. A exemplo dos vinhos franceses bordaleses, os espanhóis de Jerez e até os vinhos portugueses do Porto e da Madeira, já que eles eram os mais importantes e prestigiosos mercados a quem se destinavam os vinhos internacionais.
Na atualidade estamos testemunhando muitas mudanças que vem acontecendo tanto no mercado de consumo, assim como nos mercados de produção dos vinhos, e uma das boas novas é o surgimento de belíssimos vinhos espumantes produzidos na própria Inglaterra, que vem mostrando enorme qualidade e potencial num mercado onde quem dominava absolutamente “em termos de volume e qualidade” eram os tradicionais Champagnes, sendo esses os mais referenciados e comparados por quem produz este estilo de vinho ao redor do mundo.
Breve História sobre as Vinhas e Vinhos Ingleses
Os romanos introduziram o cultivo das vinhas na Grã-Bretanha, mas segundo o Prof. Emérito e Pesquisador de Geologia da Imperial College London, Richard Selley, que publicou o livro “The Winelands of Britain” relata que foram encontradas evidências que já se produziam vinho nessas terras desde a era do ferro e que os celtas ingleses utilizavam essa prática antes da chegada dos romanos. Essa evidência foi constatada com a descoberta de “vasos” em escavações, que eram utilizados pelos celtas e também em relatos registrados pelo senador e historiador romano Tácito (56-117 DC) que descreveu como os celtas ingleses eram realmente bárbaros quando bebiam vinho e em seus momentos de brindes.
Os normandos continuaram a produção e no livro Domesday Book relata que haviam 40 produtores de vinhos, a grande maioria dos vinhos eram utilizados como figura sagra na eucaristia. Acredita-se que o declínio da produção dos vinhedos da Inglaterra se deu com o impacto do período da grande praga da Peste Negra (1348 e 1350), pois a doença matou cerca de 30 a 40% de toda a população inglesa, as mortes podem ter chegado a 2 milhões de pessoas e em algumas áreas rurais da época morreram cerca de 80 a 90% de toda a população local.
Já na Idade Média a Inglaterra foi o principal importador dos vinhos franceses de Bordeaux “os famosos Clarets”, o Jerez da Espanha e os Porto e Madeira de Portugal. No século XVIII uma determinação do Methuen Treaty impôs altas taxas ao vinho francês e automaticamente diminuiu o consumo deste e se elevou o consumo de vinhos fortificados devido terem uma durabilidade muito maior nas viagens até a Inglaterra. No fim do século XIX quando os vinhedos começaram a serem reconstruídos após a grande praga da filoxera o Lord Palmerston determinou a redução dos impostos dos vinhos estrangeiros e estes tornaram-se muito mais competitivos frente aos poucos vinhos ingleses sem tanta qualidade que eram produzidos na época.
No século XX após o fim da Primeira Guerra Mundial, houve a necessidade de produção várias culturas para o abastecimento de alimentos e o vinho também foi incentivado, inclusive para produção de vinho caseiro, muitos foram os produtores também que começaram a plantarem vinhedos comerciais em outras áreas. A partir da década de 70 os vinhedos foram implantados em áreas como Hampshire, Sussex, Suffolk, Berkshire e Cambridgeshire. Uma interessante observação é que nesse período os ingleses produziam vinhos sob influência alemã, onde prevaleciam vinhos brancos doces e frutados, a referência de comparação da época era o famoso vinho alemão da garrafa azul, o Liebfrauenmilch. Foi por volta do ano de 1988 que foram introduzidas as primeiras cepas de Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier que resultariam nesses maravilhosos vinhos espumantes que estamos tendo o prazer de degustar na atualidade.
Mudanças Climáticas e as Características do Solo para Produção Inglesa de Vinhas
Sem entrar no contexto da discursão das reais causas das atuais mudanças climáticas que estamos vendo no planeta, algo certo é que elas são reais e tem favorecido positivamente determinadas latitudes do globo na produção da Vitis vinífera e de vinhos, como por exemplo o Reino Unido. O gráfico abaixo demostrado pelo Prof. Richard Selley em sua entrevista ao documentário New vineyards of the world, retrata que as alterações nas temperaturas que houveram no Reino Unido tendem a ser cíclicas, mas há a necessidade de mais estudos para confirmação deste ponto de vista.
Na região Sul da Inglaterra, local cravado fora do que se conhecia das áreas para melhor produção das Vitis, tem se concentrado diversos produtores inclusive vários ligados as mais famosas marcas e casas de Champagne francesas, e receberam em 2022 pelo Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais (DEFRA) do Reino Unido, o reconhecimento do status do vinho de Sussex como uma Denominação de Origem Protegida (PDO), a primeira desta pátria.
Os solos ingleses do sul e sudeste são semelhantes aos solos da região Champagne, acredita-se até que eram interligados antes das separações das terras e dos continentes há milhões de anos atrás. Na verdade de modo geral são semelhantes, mas há algumas pequenas diferenças entre as áreas onde hoje se produzem videiras destinadas a produção de vinhos. No sudoeste da Inglaterra há a presença de ricos minerais e restos de microorganismos marinhos, evidenciando solos do período do cretáceo com riqueza de calcário. Há também a presença do solo chamado “Greensand” uma espécie de areia cinza que quando envelhece fica na cor branca e bege. Esse tipo de solo prevalece em especial na área “South Downs” nas regiões de Sussex e Kent.
Início da Implantação da Produção Vínica Inglesa
O Sr. Adrian White da Denbies Wine Estate (1984) fundador e proprietário do local onde antes era uma fazenda de suínos e gado e não estava tendo lucro, então ele inquieto com seu prejuízo começou a procurar alternativas para o uso da sua área, e após uma conversa com um amigo o Prof. Richard Salley que lhe disse que o solo das suas terras eram ideais para a produção de vinhedos devido a semelhança com os solos da região Champagne, e a partir disso decidiu plantar em 1986 as primeiras videiras.
Na época os vinhos ingleses não haviam tradição de produção industrial e os poucos produtos que tinham, eram considerados de baixa qualidade, fator para um enorme desafio ao Sr. White na época. Sendo o pioneiro, no início decidiu plantar inúmeras castas para tentar estudar o que melhor se adaptava nas condições de clima e solo da região onde ele se encontra e hoje é maior evidencia do que as mudanças climáticas permitiram subir a produção e a reputação dos vinhos ingleses, pois o produtor tem se destacado como um dos melhores do país
A propriedade continua com a família e é dirigida pelo filho do fundador, o Sr. Christopher White. Sob sua coordenação já há 20 anos a empresa se tornou um dos maiores e mais prestigiosos produtores da Inglaterra. Hoje possuem 265 ha de vinhas plantadas e apresentam uma capacidade de produção de 1 milhão de garrafas por ano. Os vinhedos da empresa estão localizados no norte de Downs, em Dorking, implantados em solo de giz, num vale protegido e com encostas voltados ao sul. A área total da propriedade hoje é 650 ha, que inclui muitas área verdes, conforme visualização da imagem abaixo de um esquema de mapa da área.
Os Vinhos Ingleses na Atualidade
Estima-se que na atualidade a área plantada de vinhos no Reino Unido seja de 3.800 ha, ainda pouco significativa comparada a outros países vitivinícolas, apresentam 879 vinhedos e 195 produtores. Os vinhos mais produzidos são os espumantes “Sparkling Wines” com a fatia de 70% da produção, seguidos pelos tranquilos brancos com 20% e os tintos e rosés com 10%.
Nos últimos dados publicados pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) em 2021, o Reino Unido apresentou-se como o terceiro maior importador de vinhos do mundo, o quinto maior consumidor, o vigésimo quinto maior exportador e o quinquagésimo sexto maior produtor.
Podemos dividir em dois grupos as principais cepas produzidas na Inglaterra, as que são destinadas a produzirem vinhos PDO (Protected Designation of Origin) e as que são utilizadas e permitidas para os vinhos PGI (protected Geographical Indication). Para os Sparkling Wines PDO (Protected Designation of Origin)) a Chardonnay, Pinot Noir e a Pinot Meunier dominam, mas também podem contar com pequenas proporções das castas Pinot Gris, Pinot Blanc e Pinot Noir Precoce. Já os outros vinhos PGI ou IGP podem serem produzidos com inúmeras variedades como a uva Bacchus que é um cruzamento da Sivaner com a Riesling, a Seyval Blanc, a Muller-Thurgau que é um cruzamento da Mating Riesling com a Madeleine Royale, a Pinot Noir, a Dornfelder, a Rondo, dentre outras.
Em junho de 2022 o Department for Environment Food & Rural Affairs (DEFRA) da Inglaterra concedeu o status da primeira Denominação de Origem Controlada em inglês PDO (Protected Designation of Origin) que é Sussex, região com relações muito semelhantes de solo e clima com a região da Champagne. Várias normas são impostas para receber o selo desta denominação objetivando alcançar níveis qualitativos constantes desta área que já mostrou-se capaz de competir de igual a igual aos grandes Champagnes franceses.
Da mesma forma que assistimos recente a Coroação do rei Charles III, também estamos assistindo o despontar de um pátria vinhateira que tem realizado um trabalho brilhante na produção de vinhos com muita excelência. Nós consumidores e amantes de grandes vinhos só esperamos que os ingleses continuem a se empenharem em produzirem excelentes vinhos para estarem presentes em nossas taças. Desejo ainda mais sucesso aos produtores ingleses e saúde a você leitor para continuar degustando a deliciosa bebida de Baco.
Saudações Báquicas a todos !
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2 Comentários
Como sempre um ótimo artigo, é prazeroso poder lê-los e compartilhar de seu conhecimento sobre essa preciosa bebida. Não deixe de realiza-los. saudações
Obrigado pelo gentil comentário.