Apesar do termo Inteligência Artificial (IA) ter se tornado mais popular nos últimos anos, o início dos movimentos com ideias em desenvolver ferramentas, máquinas e programas capazes de auxiliar em algum aspecto a vida humana data meados do século XX, tendo a Conferência de Dartmouth “Dartmouth Summer Research Project on Artificial Intelligence” (1956) organizada pelo matemático John McCarthy, o evento histórico que é considerado como o marco de início ao desenvolvimento deste conceito ao qual na atualidade se tornou tão popular.

De lá para cá muito se avançou em pesquisas, desenvolvimentos e na criação de incontáveis produtos baseados neste conceito, chegando até de forma exponencial ter levado a verdadeiras disrupturas nos mais diversos setores como por exemplo das telecomunicações e nos transportes. No setor dos vinhos a IA também avançou bastante e surge sempre uma calorosa discursão entre as pessoas, uns a avaliando como verdadeira aliada, já outros a vendo pelo aspecto de grande ameaça. Neste texto irei abordar alguns pontos da cadeia do vinho em que a IA já é uma realidade e que por vezes as pessoas nem se dão conta, e ao final você leitor tirará as suas próprias conclusões para responder, se a IA é uma aliada ou uma ameaça ?
Viticultura High Tech
Na viticultura a IA está presente em diversas frentes e estas objetivando de modo geral maior capacidade produtiva e eficiência na utilização dos recursos. Grandes áreas de vinhedos pelo mundo tem se utilizado de diversos recursos tecnológicos para gerar produção de melhor qualidade na matéria-prima para atender ao estilo de vinho que se deseja produzir e o retorno do investimento realizado em compras de terras e demais investimentos imobilizados em estruturas e etc. Para tal os sensores de solo, clima e vinhedos tem sido fundamentais para detecção de necessidades específicas, esses sensores aliados a utilização de monitoramentos de drones por imagens tem a capacidade de monitorar parcela a parcela em tempo real, fornecendo dados importantes para tomadas de decisões pelos técnicos e/ou produtores de quando e onde exatamente agir, otimizando custos e buscando a qualidade das uvas. Um clássico exemplo de viticultura com alta tecnologia é o que acontece no deserto do Negev em Israel, onde a irrigação com altíssima precisão é usada para liberar cada gota de água e nutrientes de forma quase individualizada em cada planta de Vitis vinífera mediante a necessidade.
Em visita em tantos lados do mundo, algo que sempre ouvi em visitas aos produtores é o problema da falta de mão de obra, não só para as intervenções em tratamentos e podas durante o ano, mas sobretudo na época de vindimas. Em muitos países como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e até em pátrias consideradas milenares na produção de uvas como a Espanha tem sido cada vez mais utilizado máquinas e equipamentos tecnológicos para colher as uvas. O uso de tratores com altíssima tecnologia senguem os comandos de dados gerados por programação e executam o trabalho, levando para a adega a matéria-prima colhida para ser vinificada. Já há também equipamentos modernos com peças adaptadas para fazer podas em grandes áreas otimizando o custo e o tempo para a execução da atividade de manejo nos vinhedos.
Outras ações que a IA já está sendo aplicada na viticultura são na análises de algoritmos com os dados dos sensores mencionados no início, que geram previsões “probabilidades” de melhor momento para colheita em determinada área ou parcela, objetivando o melhor rendimento das safras.
Vinificação com IA
Nas adegas modernas diversos mecanismos inteligentes tem sido cada vez mais utilizado, através de sistemas de prensas e lagares robóticos, equipamentos como tanques com softwares de monitoramento nos processos de fermentação, softwares que controlam a rastreabilidade com dados desde o local exato de produção da Vitis até a finalização do fechamento do lote engarrafado. Tanques de fermentação modernos apresentam controle de temperatura e até de nutrição das leveduras , proporcionando fermentações mais seguras, estáveis e com mais qualidade. Há também lançamentos atuais de robôs para monitorar e até manejar trabalhos dentro da adega como é o caso do robô Leonardo, lançado recentemente pela Lasi America.
Na parte da biotecnologia, leveduras específicas são isoladas e produzidas para determinados estilos de vinhos para acelerar e/ou melhor atuarem na fermentação. Algumas estirpes são até geneticamente modificadas para conferirem determinadas características de aromas ou paladares ao vinho e maior consistência ao lote produzido. Já em outras vertentes também há diversas análises e produtos sendo desenvolvidos por renomados cientistas para o setor dos vinhos com uso de equipamentos sofisticados com a IA presente através de software e outros detalhes tecnológicos que possibilitam a análise de princípios bio-ativos da natureza para o desenvolvimento de novos produtos enológicos.
No processo de produção de espumantes um dos avanços tecnológicos foi a introdução dos giropaletes no processo de remuage, processo que exige tempo, mão de obra especializada e que ainda há riscos de acidentes. As imensas maquinas que seguem comandos de software, acoplam diversos paletes em simultâneo possibilitando a diminuição de tempo nesta etapa da produção dos espumantes de forma extremamente significativa. Já são utilizados nos mais variados produtores por muitos lados do mundo.

Embalagens e Transportes com uso de IA
É uma realidade que novos tipos de embalagens modernas tem sido uma bandeira empregada para que o setor dos vinhos acompanhe a modernidade, não perdendo a essência do que é vinho “bebida milenar”, portanto mantendo a qualidade como se estivesse em uma garrafa. O peso no transporte e o inconveniente em determinados momentos da utilização de garrafas de vidros tem sido também apontados no mercado como um fator que tem distanciado o consumo de vinhos, sendo preferido pelos consumidores bebidas com facilidade na abertura, consumo e transporte. Produtores com um olhar atento ao mercado tem procurado desenvolver alternativas com a utilização de tecnologias, equipamentos de precisão na elaboração de embalagens que sejam mais apelativas como tetrapack, bag-in-box, brick, pouch, lata e até em taças individuais de plástico.
Dentro das adegas na atualidade tem sido empregados diversos sistemas de robótica para o transporte e embalagens. Além da linha de engarrafamento está toda sendo conduzida por softwares que trabalham isolados ou em toda a linha até a garrafa ser vedada, encapsulada e rotulada, após colocadas nas devidas caixas e por sensores que organizam-as em paletes, envelopando com o plástico de proteção os paletes para em seguida irem para o armazenamento nos armazéns ou seguirem viagem aos seus compradores. As empilhadeiras também são equipamentos da modernidade que cada vez mais vemos em todos os tamanhos de produtores.
Quando falamos em embalagens dentro do setor dos vinhos estamos nos referindo a inúmeras empresas que fornecem diversos insumos diferentes aos produtores. Garrafas de vidros, rolhas, lacres, caixas de madeira, caixas de papelão, empresas de designer e confecção de rótulos, outras empresas de embalagens diferentes como para latas, plásticos, tetrapacks e etc. Enfim dentro de cada tipo de empresa destas citadas há imenso emprego de IA nas mais variadas partes do processo de produção de cada item que entregam aos produtores.
Atualmente com o advento do uso de QRcode nas etiquetas, qualquer o vinho pode ser rastreado da produção ao destino final, através deles também os produtores podem fornecer informações valiosas aos consumidores através dos dados contidos ali, como a ficha técnica do produto, um vídeo de mensagem gravado pelo próprio produtor ou pela empresa de marketing contratada, uma sugestão de playlist de música para acompanhar o consumo ou até uma boa sugestão de prato com a receita para acompanhar a degustação daquele vinho que chegou na mão do consumidor. Uma infinidade de dados que só através do uso de IA podem ser distribuídos de forma tão rápida, precisa e na língua que o consumidor quiser ler ou assistir.
O monitoramento dos transportes das cargas dos vinhos e os seus mais variados insumos também tem sido extremamente utilizado IA através de chips, que possuem sensores capazes de fornecer dados em tempo real de tudo o que acontece e em que velocidade está se deslocando, e que podem estar inseridos nas cargas em si ou nos veículos de transportes.
Ciência nas Análises Sensoriais
Existem na atualidade laboratórios e até startups que tem trabalhado em desenvolver sensores de ponta para decodificar os aromas contidos no vinho. Em São Carlos no Brasil, pesquisadores desenvolveram nanosensores de celulose que fluorescem na presença de taninos, componente importante contido no vinho e que ajuda na definição, estrutura e sabor, neste caso sobretudo nos tintos. Tecnologias como essas também possibilitam mensurar de forma rápida os ácidos, álcool, açúcares e diversos compostos como os voláteis, sem a utilização dos agentes tradicionais utilizados até aqui. Com equipamentos modernos onde há a presença de IA é possível realizar análises químicas de última geração, ajudando aos enólogos a ajustarem seus blends, maximizando e minimizando alguma caraterística que desejam ressaltar no seu vinho.
Outro aspecto do emprego de IA nas análises sensoriais são utilizadas por big data, onde os dados de algoritmos mensuram e decodificam especificidades de gostos do consumidor e pode até apontar para alguma tendências. Também tem sido usado software de análises com os padrões de compra e até feedback nas redes digitais, contribuindo para entender as preferências dos perfis de vinhos por aromas, teor alcoólico ou até mesmo os estilos, possibilitando adaptar rótulos e vinhos a nichos específicos, tudo com base de modelos estatísticos.
Serviços de Vinho com Uso de IA
Máquinas, softwares e robôs já tem sido utilizado e estão em plena expansão nos mais diversos mercados de consumo de vinho. Na atualidade praticamente já estão em todos os principais países consumidores o emprego de máquinas abastecidas com vários tipos de vinho em simultâneo, programadas as suas temperaturas e quantidades que liberam doses de vinhos, podendo serem manuseadas pelos próprios consumidores com cartões com chips e depois no fim do consumo efetuam o pagamento do que degustaram, uma espécie de auto-serviço muito utilizados nos wine bares.
Os robôs sommeliers tem causado um verdadeiro ofurô entre os profissionais da área. A realidade é que já são muito utilizados na Ásia em diversos tipos de empresas e restaurantes, servindo bebidas variadas e também levando e trazendo pratos à mesa para os clientes. O que temos visto é um avanço na tecnologia, onde os comandos programados e os sensores modernos tem contribuído para outros patamares de serviços como a realização da condução da degustação propriamente dita, como o RobinoVino na Maria Concetto Winery no Napa Valley.
Os chatbots também tem sido cada vez mais aprimorados com respostas cada vez mais precisa a indicar o que melhor encaixa no que o consumidor o pede. Me recordo que em 2018 paguei o desenvolvimento de um chatbot chamado Baco para trabalhar 24 horas, 7 dias por semana para o site da minha empresa para possibilitar mesmo que de forma simples indicar os vinhos mais adequados para cada momento e que estavam dentro do nosso portfólio. Lembro que este custo foi bem elevado na época, e na atualidade se tornou bem mais acessível através dos avanços de IA. Foi uma estratégia interessante ter tido esta experiência, pois claro que ele só respondia o que estava alimentado de dados no sistema, mas na atualidade há a capacidade de compilar os mais diferentes dados de algoritmos e poder ser muito mais preciso. Talvez os sommeliers não consigam memorizar tantos dados em simultâneo como as máquinas fazem, sobretudo devido na atualidade tantos países diferentes produzirem vinhos e de tão variados estilos. Mas a sensibilidade e a emoção do contato humano são a diferença, e a habilidade dos grandes profissionais em saberem acompanhar o emprego da tecnologia para auxilia-los nos mais variados contextos tem que ser neste momento um norte importante.
Uma Reflexão Final Sobre IA
Durante toda a trajetória da espécie humana transitamos por novos momentos históricos, novas fases culturais e sociais, novos instrumentos sendo anexados ao cotidiano e até novas formas de pensar sobre os mais variados assuntos. Como iniciei este texto explicando que a IA já acompanha nossas vidas já há um bom tempo nos mais diversos aspectos e com o passar do tempo houveram diversas evoluções onde hoje de forma pedagógica podemos dividir em IA analítica, a que literalmente conta dados, e a IA criativa, ao qual avalia dados e cria cenários baseados na análise do algoritmo, um bom exemplo disto é a IA empregada pela Netflix e nos algoritmos das redes sociais, que indicam filmes e conteúdos conforme nossos próprios interesses, e a IA “aprendeu isso” conforme o nosso próprio comportamento de consumir determinado conteúdo. A Inteligência Artificial segue instruções programadas, o seu aprendizado ocorre por padrões nos dados, não tendo consciência, nem emoções como o padrão humano em sua vasta complexidade.
Muitas incertezas e inseguranças tem sido legitimamente levantadas e questionadas sobre a utilização de IAs, sobretudo em temas que envolvem os direitos individuais, éticos e etc. Posso até vir a mudar de opinião, mas na atualidade ao meu ver, mais perigoso não é a IA tomar decisões por conta própria ou substituir trabalhadores em tarefas braçais. O mais perigoso são os seres humanos por trás das IAs não tomarem boas decisões nos “seus comandos”, comprometendo o futuro da própria humanidade, e os mais variados profissionais do setor do vinho não buscarem se qualificar e se aprimorarem para sairem dos trabalhos braçais que uma maquina ou um robô pode fazer.
Em pleno século XXI ainda há produtores que utilizam o arado tracionado por animais como na época da Idade Média, claro que em pequeninas áreas de vinhedos, e não há problema nenhum nisso, mas será que o consumidor valoriza e paga a mais pela diferenciação deste produtor usar um arado ou invés de um equipamento da era moderna como um trator ? Vivemos nos tempos em que trabalhos como o da escravatura em terras agrícolas já fora abolidos. Esta última frase é uma reflexão indo muito além do idealismo de um tipo e estilo de filosofia X ou Y de produção de vinho, mas sim de quem é filha de um agricultor e sabe muito bem quanto custa lavrar a terra. Fica a reflexão deste detalhe.
Enfim a IA é uma ferramenta poderosa da era moderna, onde os seres humanos tem a possibilidade de automatizar tarefas repetitivas, insalubres e arriscadas, analisar grandes volumes de dados em simultâneo fornecendo melhores insights para quem tem inteligentes perguntas, proporcionando que as pessoas e os profissionais possam se concentrar em tarefas mais complexas e de fato criativas, fazendo um melhor uso dos seus tempos e dos recursos ao qual gerem dentro do setor dos vinhos.
Agora me diga você ao seu ver, a IA é uma aliada ou ameaça ao setor dos vinhos ?
Desejo boas reflexões e boas provas !
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4 Comentários
Com referência ao uso da IA no mundo do vinho, tal como você expôs, creio ser uma boa aliada, desde que utilizada com seriedade
e profissionalismo honesto, ético e responsável.
Sem dúvida, concordo também com você.
Neste Artigo sobre a IA no Mundo dos Vinhos é óbvio que o percurso de quem recorre ao Novo Mundo só terá a Ganhar em especial na Automatização com gestão equilibrada e racional porque permite racionar os recursos sem desperdício obtendo melhores resultados e Performances narrativa industria dos vinhos(ex.Israel)e porque a Mão de Obra especializada é cada vez mais escassa,referindo que em Tempos idos em determinadas regiões este trabalho era quase de Escravatura, portanto é bem-vinda a IA.
O problema está em quem fornece os dados de Programação para esta análise Racional,porque a IA é um cérebro programado para um Fim e não tem Sentimento só serve Interesses.
Todos temos a Ganhar com o Novo Mundo,desde que não substitua os Verdadeiros interesses do Público Alvo e não crie dependência Exclusiva da Humanidade tal como a conhecemos HOJE.
Bom Artigo este sobre a Inteligência Artificial “IA”.
Obrigado Tony por compartilhar teus ricos pontos de vista. O objetivo mais importante deste artigo é colocar pontos de análises sobre o uso de IAs no setor dos vinhos, que nao é algo novo e sim que já vem sendo habilidosamente sendo empregado há muito tempo e as pessoas não se dão conta. Quanto as ameaças há de se ter sensatez humana para que use a tecnologia ao serviço do BEM comum dos seres humanos.