Começo esse artigo dizendo que amo a França, depois de Portugal é o país que mais visitei vinhedos, devido a incrível variedade de terroirs, castas, estilos de vinhos e técnicas de vinificação que os franceses dominam como ninguém. Em 2018 ficaram como o segundo maior produtor de vinhos do mundo, produzindo 46,4 milhões de litros(OIV-2018).
Este país rico em cultura, é o responsável em produzir grandes vinhos de quase todas as categorias e vale lembrar que também é o berço de inúmeras castas nobres e das mais importantes uvas da viticultura mundial, como a Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Chardonnay, Sauvignon Blanc entre tantas outras, e essas citadas são uvas nativas do próprio país e que foram levadas a partir da França para diversos outros cantos do mundo. Dentro desta pátria existem inúmeras regiões de norte ao sul, de leste a oeste que produzem vinhos magníficos.
Este artigo irei concentrar a minha conversa sobre a região da Borgonha ao qual já tive a grata oportunidade de visitar por algumas vezes.
A Borgonha compreende um mosaico milenar, cheio de encantos mil , possui cinco regiões vinícolas : Côte de Nuits – Côte de Beaune – Côte Chalonnaise – Mâconnais – Chablis & Grand Auxerrois , são terroirs ricos em inúmeros ” climats ” diferentes e que produzem vinhos de aromas e sabores únicos no mundo.
Muitos autores utilizam a frase se referindo a região da Borgonha como sendo “A expressão máxima de um terroir “, e que eu concordo plenamente. É uma pequena e bela região com cerca de 39.600 ha, dividida em pequenas propriedades, possui um clima frio e úmido, características que favorecem o amadurecimento tardio e consequentemente a uma maturação fenólicas mais completa das uvas.
Na Borgonha existem cerca de 100 Appellations d’Origine Contrôlée (AOC), essas cheias de diferenças em detalhes de suas características geológicas e em climas específicos, levando a uma produção de vinhos tão próximos geográficamentes e de tão distintos aromas e sabores com a mesma cépage. Algo importante são as regras e diretrizes que norteiam as rotulações com precisão dos vinhos das (AOC), que consiste numa designação de qualidade onde se regulamentam a origem geográfica, a composição da casta para o vinho e os seus métodos de produção.
Essa região compreende cerca de 3% da produção de todo o vinho da França. As castas Pinot Noir e Chardonnay compreendem 82% dos vinhedos da região. O Solo e subsolo da Borgonha resultam de dois importantes eventos geológicos que houveram.
Um que ocorreu há 200 milhões de anos atrás, quando a região era um imenso mar tropical , pouco profundo e de águas quentes e o outro há cerca de 65 milhões de anos atrás quando houve a formação dos Alpes , além de posteriores períodos glaciais que provocaram elevações e erosões , resultando nesse relevo de cheio de encostas e uma terra rica em argila, marga e calcário e que com o tempo, se tornaram rochas compostas de granitos , basalto, gnaisse e xistos diversos, e não é raro encontrar restos de fósseis de conchas do mar por lá.
Existem inúmeros lugares que a casta Pinot Noir se adaptou bem, como nos Estados Unidos, Alemanha, Moldávia, Itália, Nova Zelândia, Austrália, Suíça e até no Brasil no terroir dos Vinhos de Altitude de São Joaquim (SC) , mas o verdadeiro berço dessa cépage, onde ela expressa toda sua elegância e complexidade é de fato na região da Borgonha, e nesta região ela é apelidada como a grande tinta da Borgonha.
Essa uva requer bastante atenção na viticultura , por ser melindrosa. A Pinot Noir prefere terrenos de marga com calcários e aliado a um clima específico de algumas parcelas que resultam em vinhos mais leves , elegantes ou potentes e encorpados.
A Pinot Noir é rica de muita história, produz os Grands Crus mais famosos do mundo como Romanée-Conti, Clos de Vougeot e também o fantástico vinho Marchand-Grillot Grand Cru (Safras 1989 e 1998) que tive a inesquecível experiência de degustar e ser apresentada a eles pelo seu próprio vigneron Jacques Marchand e o seu filho o enólogo Etieny Marchand.
Ao degustar esses vinhos, pude constatar ao nariz e na boca o alto nível de elegância , de complexidades de aromas e de riqueza que essa uva francesa pode nos presentear em uma degustação de tão alto nível com esses vinhos a mim servidos e que possuem um potencial de guarda fantásticos e surpreendentes. São tintos de corpo médio, aromas elegantíssimos, terrosos e com sabores de frutas vermelhas como morango e cereja, e que em cada momento na taça vão se mostrando mais encantadores.
Há diversos relatos que li e ouvi de grandes especialistas no mundo dos vinhos de que, em nenhum outro lugar ela atinge o nível de qualidade e o estilo de sua terra natal, a Borgonha. Compartilho aqui uma opinião pessoal, já degustei alguns Pinot Noir no mundo e realmente tenho que admitir que eles tem razão, os vinhos que tive a honra de provar na região, foram sem dúvidas algo que jamais irei esquecer, mas saliento que há trabalhos seríssimos sendo desenvolvidos por grandes enólogos e produtores em produzir Pinot Noir deliciosamente encantadores também em outras regiões do mundo, e obvio que será o resultado da expressão do terroir aliado aos conhecimentos humanos, a exemplo temos um vinho brasileiro Ana Cristina da Villaggio Bassetti, ao qual levei em mãos para uma prova com a família Marchand- Grillot e ao Maouri Perez.
A Appellation d’Origine Contrôlée Chablis consiste em uma região pequena que leva o nome do próprio vilarejo , e que possui 2.834 ha de vinhedos plantados, restrita a produzir vinhos brancos secos , esses apresentam-se frescos , elegantes e minerais, características únicas que carregam a própria história de seu solo e que seu clima apresenta.
O clima da região é frio dando a uva excelente acidez “fresca”. O solo é quase uniforme e único , rico em calcário e argila muito bem distribuídos , o que ajudam em dar a uva Chardonnay sabores únicos com mineralidade “ardósia”, maçã e notas herbáceas de feno. A Chardonnay prefere os terrenos mais argilosos e dependendo da proporção de argila do terreno produz vinhos brancos mais ou menos aromáticos.
Por não serem produzidos na região da Champagne os “Crément de Bourgogne” recebem esse título pois são vinhos espumosos, feito na região da Borgonha sob o método clássico, e são deliciosos e surpreendentes, e que podem ser tão bons quanto os Champagnes, principalmente os que são produzidos em Chablis e Maçonnais, devido estarem em áreas mais frias.
Na rota icônica dos Grand Crus da Borgonha visitei também o Château de Pommard, que fica ao sul de Beaune que é considerada o coração da Borgonha. Foi uma experiência incrível de contenplamento de inúmeras obras de artes espalhadas num jardim impecável e o ponto mais sensacional foi ter a oportunidade de visitar cada aposento da construção e ouvir atentamente cada detalhe que faz toda a diferença desses vinhos tão cobiçados ao redor do mundo.
Ao caminhar entre vinhedos , subir e descer estreitas ruas fazendo uma das mais fantásticas caminhadas culturais vínicas na região da Borgonha, pude deter minha atenção em inúmeros detalhes sobre as práticas agrícolas realizadas nas próprias vinhas .
E então pude perceber nitidamente que por trás de grandes vinhos tem muito mais que poesias contadas. Existe sim uma centenária tradição com boas práticas agricultáveis que trabalham em simbiose com o emprego da tecnologia, respeitando o solo e as pessoas, mas principalmente transbordando muito amor as suas terras e ao que se propõem a fazer, e me refiro a um dos melhores vinhos do mundo, segundo grandes especialistas.
Que fique a reflexão a cada um de nós enófilos apaixonados por esse fabuloso mundo vínico, sobre como devemos avaliar os preços dos vinhos que estão em nossas taças.
Saudações báquicas a todos os amantes de bons vinhos, e que não necessariamente precisam ser os mais caros do mundo. Nos cruzamos em muitas outras partilhas de experiencias que estão por vir.
Saúde! Santé!
Fontes e Legendas:
*OIV ( Organização Internacional da Vinha e do Vinho)
*AOC ( Appellation d’Origine Contrôlée )
*Vinhos da Borgonha: história, tradição e cultura/ Jean Claude Cara e Ligia Maria Salomão Cara, 2015
*The Wine Bible / Karen MacNeil , 2015
*O Guia Essencial do Vinho – Wine Folly / Madeline Puckett e Justin Hammock,2016
*O Livro do Vinho / Vincent Gasnier, 2015
*Sobre Vinhos/ J. Patrick Henderson e Dellie Rex, 2012
*Os segredos do Vinho / José Osvaldo Albano do Amarante,2018
*Atlas Mundial do Vinho 7* Edição / Hugh Johnson e Jancis Robinson,2014
* www.bourgogne-wines.com
* www.chateaudepommard.com
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2 Comentários
Belíssima apresentação, obviamente encantada com a sua presença nesse lugar que também amo de paixão: Bourgogne!!!… Não existe um cantinho qualquer dessa região que não conheço, assim como o restante desse país que admiro profundamente desde minha juventude!!!…
Muito bom acompanhar sua visita!
Parabéns pelo artigo, tive a impressão de viajar junto com você.
Eu e meu esposo também somos apaixonados pela Borgonha!
Nós visitamos em 2018 com uma sommelier brasileira que tem uma empresa de Enoturismo, a Viti wine tours. Estávamos hospedados em Lyon na época.
Foi maravilhoso! Ela é ótima. Fizemos o Beaujolais também (recomendo!!!)
Da próxima vez quero ficar hospedada em Beaune e visitar com mais tempo.